PARABÉNS, MANUEL ALEGRE !
No dia em que faz 70 anos, nós que já o conhecemos há mais de 40, queremos prestar-lhe uma pequena homenagem transcrevendo do seu livro PRAÇA DA CANÇÃO, por sinal um dos primeiros e mais marcantes da sua bibliografia, uma das minhas poesias predilectas.
CANTO PENINSULAR
Estar aqui dói-me. E eu estou aqui.
há 900 anos. Não cresci nem mudei.
Apodreci.
Doem-me as próprias raizes que criei.
Foi a guerra e a paz. E veio o sol. Veio e passou a tempestade.
Muita coisa mudou. Só não mudou
este monstro que tem a minha idade.
E foi de novo a guerra e a paz. Muita coisa mudou
em 900 anos.
Eu é que não mudei. Neste monstro que sou
só os olhos ainda são humanos.
Quantas vezes gritei e não me ouviram
quantas vezes morri e me deixaram
nos campos de batalha onde depois floriram
flores e pão que do meu sangue se criaram.
Andei de terra em terra
por esse mundo que de certo modo descobri.
E fui soldado contra a minha pr´pria guerra
eu que fui pelo mundo e nunca saí daqui.
Mil sonhos eu sonhei. E foram mil enganos.
Tive o mundo nas mãos. E sempre passei fome.
Eis-me tal como sou há 900 anos
eu que não sei escrever sequer o meu próprio nome.
Falam de mim e dizem: é um herói.
(Não sei se por estar morto ou porque ainda não morri).
Mas nunca ninguém disse a razão porque me dói
estar aqui.