html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> QUOUSQUE TANDEM: CARTA DO CANADÁ (Sobre José Saramago)

CRITICA SOCIAL E POLITICA

Monday, July 19, 2010

CARTA DO CANADÁ (Sobre José Saramago)

Seguramente, foi em 1959 que assentei arraiais na Brasileira do Chiado,
no grupo pontificado por Tomaz de Figueiredo, Jorge Barradas, Abel Manta e
Almada-Negreiros, onde fui dar pela mão de artistas plásticos cujo vasto
atelier passou a ser, também, meu poiso habitual.  Meu de muitas outras
pessoas.

Em tardes de inverno, com a lareira acesa e tomando chá, por ali
passava a dizer poemas Vasco Lima Couto e, a inundar o espaço com a sua voz
inesquecível, Eunice Muñoz. Gente do teatro, do cinema, da música, das artes
plásticas, do jornalismo, das letras, ali conviviam com serenidade e gosto.

A escritora Isabel da Nóbrega começou a ser habitual e depressa se tornou
uma amiga dos donos do atelier. Senhora de bom berço e fino trato,
inteligente e culta, bem instalada na vida, caíu numa cilada do demónio.
Apaixonou-se por um zé ninguém, nem sequer bonito, muito menos simpático e
bem educado, que olhava tudo e todos de nariz empinado, numa
pseudo-superioridade de quem tem contas a ajustar com a vida, quezilento e
muito chato. Falava como um pregador de feira e era intragável. Mas, em
atenção à Isabel, lá íamos aturando o José Saramago.

Para mim, que sou péssima, foi ponto assente: aquele não a ia fazer
limpa, era um depósito de ódio recalcado. Foi por isso que não me admirei
nada quando o vi director do Diário de Notícias, a  mando do Partido
Comunista, onde, da noite para o dia, lançou ao desemprego 24 jornalistas,
dos da velha escola, dos que escrevem com pontos e vírgulas, deixando-os, e
às famílias, sem pão. Tambem não fiquei minimamente surpreendida quando
soube que abandonou Isabel da Nóbrega, que tanto fez por ele, para
alvoroçadamente casar com uma espanhola que foi freira e tem vastos
conhecimentos no mundo da política e das letras. Para mim, estava tudo a
condizer com a figura.

Cá de longe soube que publicava livros e vendia muito. Não me aqueceu
nem arrefeceu, porque nunca li nada escrito por ele nem tenciono perder
tempo com isso. Não me apetece, e está tudo dito. Nem o Nobel que lhe deram
me impressionou, porque já vi o Nobel ser dado sem critério algumas vezes.
Acho mesmo que o prémio está a ficar muito por baixo.

E agora, o homenzinho da Golegã a chamar nomes a Deus, a insultar a
Bíblia nuns raciocínios primários de operário em roda de tasca. Dizem que o
fez por golpe publicitário.  Talvez. Acho que é capaz disso e de muito mais.
No entanto, creio que, no meio do aranzel, apenas houve uma pessoa que lhe
fez o diagnóstico certo: António Lobo Antunes, numa magistral entrevista
dada à RTP, há dias, respondeu a Judite de Sousa, que o interrogava sobre as
tiradas de Saramago, que essas vociferações contra Deus lhe tinham feito
medo. E adiantou: "tenho medo de chegar à idade dele assim, sem senso
crítico". Está tudo dito.  É mais um como há tantos anciãos de tino perdido
em Portugal.  É deixá-lo andar.  A mim tanto se me dá!

FERNANDA LEITÃO


 

 

 

 

 



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