html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> QUOUSQUE TANDEM: TAP

CRITICA SOCIAL E POLITICA

Saturday, August 20, 2011

TAP


Qualquer idiota sabe e percebe que a TAP é muito mais do que uma simples
companhia aérea e mais até do que uma companhia aérea "de bandeira".

A TAP (excluindo o pequeno caso particular da SATA), é a única companhia
aérea de um pequeno país continental que tem, todavia, o seu território
disperso por mais dois arquipélagos e uma relação de presença muito forte e
que deseja manter com uma série de países que foram suas colónias e outros
onde se alberga uma vasta diáspora que queremos continue próxima.

Ou seja, é um instrumento fundamental da nossa política externa e não apenas
de representação.

Muitíssimo mais importante e decisivo do que inúmeras Embaixadas que
mantemos, delegações do Comércio Externo ou os ridículos Serviços de
Informação (cuja utilidade ficou bem patente nos recentemente conhecidos
relatórios sobre o Magrebe, onde se garantia que nenhuma revolta era
previsível).

O país deve à TAP e aos seus trabalhadores inúmeros serviços cuja
importância foi determinante para o nome de Portugal.

A começar pelo repatriamento em massa e em condições operacionais
dificílimas de centenas de milhares de portugueses evacuados das colónias em
1975.

A continuar pelas ligações com países como Moçambique ou Cabo Verde ou
(ainda hoje) com a Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe, que lhes permitiram,
pura e simplesmente, existir no mapa e sobreviver no mundo, e onde a chegada
do avião da TAP foi ou ainda é a chegada do mundo, pela mão de Portugal.

Muito mais do que toda a retórica, acordos ortográficos e declarações de
amizade, devemos à TAP o melhor da imagem que Portugal hoje tem no Brasil,
onde os setenta voos semanais para uma série de destinos diferentes
representam também uma ligação fundamental entre o Brasil e a Europa e entre
as comunidades emigrantes de ambos os países, além de um contributo
determinante para o turismo de Lisboa, por exemplo.

E devemos ao espírito de empresa dos seus trabalhadores e aos esforços da
sua administração o facto de termos uma companhia aérea que é muito melhor
do que o país que lhe dá bandeira (se alguém tem dúvidas, experimente voar
na Ibéria ou na Alitália ou em qualquer companhia americana, para saber o
que é uma má companhia aérea).

Aliás, só esse espírito de empresa, tão raro entre nós, permitiu à TAP
sobreviver a todos as malfeitorias que o accionista Estado contra ela
cometeu até há dez anos, quando enfim se rendeu finalmente a uma gestão
profissional e foi chamar quem o sabia fazer.

Vale a pena recapitular.

A primeira malfeitoria foi fazer da TAP, durante mais de vinte anos, um
albergue para os boys do bloco central, que a administraram como brinquedo
seu, juntando a leviandade à incompetência: ainda me lembro de um presidente
da TAP cuja grande obra foi inventar destinos sem qualquer viabilidade
económica, para cujos voos inaugurais enchia o avião de convidados amigos e
a "Olá-Semanário" para fazer uma reportagem 'social'.

Depois, houve que manter preços políticos e créditos incobráveis a favor dos
PALOP e dos seus governantes, que também achavam que a TAP era coisa sua.

A seguir, veio o ministro João Cravinho, que concebeu o funesto projecto de
fundir a TAP com a Swissair (uma das piores companhias aéreas do mundo),
plano que, embora ainda tenha chegado a causar danos, abortou porque,
felizmente e entretanto, a Swissair faliu.

Depois, obrigaram-na a comprar a Portugália (que, tendo nascido para
concorrer com a TAP em destinos próximos, falhou e também estava falida).

Depois, obrigaram-na a comprar também esse desastre da Groundforce espanhola
a quem tinham entregado todo o handling do aeroporto de Lisboa e Faro (e
cujos resultados ainda hoje impedem que a TAP seja confortavelmente
lucrativa).

E, finalmente, e ao contrário do que se passa no mundo inteiro, a TAP tem
vindo a ser progressivamente empurrada para as traseiras e tratada como
hóspede indesejável no aeroporto de Lisboa, por outra empresa pública, a
ANA, e em benefício das empresas low-cost (mas não é inocente: trata-se de
justificar a necessidade do novo aeroporto de Lisboa com o argumento de que
a TAP já não tem espaço na Portela).

Ironicamente, a história da TAP mostra-nos que de cada vez que gestores
privados ditos "de sucesso" ou empresas privadas se imiscuíram no seu
caminho, aqueles falharam e a TAP sobreviveu -- mas foi chamada a pagar os
custos do desastroso 'sucesso' privado alheio.

Ou seja: temos aqui uma empresa pública que exerce um papel insubstituível
ao serviço do país (e que, obviamente, não será continuado pela Lan Chile ou
pela Catar Airways, e, menos ainda, pela Lufthansa ou Ibéria).

Temos uma empresa que funciona bem e prestigia o país, que ganhou, por
mérito próprio, um papel de liderança absoluta no Atlântico Sul e um papel
importante em África, que é rentável enquanto apenas companhia aérea, que é
bem gerida, que dá trabalho a 8000 pessoas e paga 200 milhões de euros de
impostos por ano.

E o Governo quer privatizá-la, perante o silêncio geral (excepção feita a
Jerónimo de Sousa).

Apenas porque precisa de dinheiro e só não vende o pai e a mãe porque os não
tem.

Entendam-me bem: eu nada percebo de transporte aéreo e talvez tenha criado
uma espécie de relação amorosa com a TAP difícil de explicar.

Mas nestes tempos de depressão instalada, em que não parece haver qualquer
sinal de esperança no horizonte, vejo a venda em saldo da TAP como um golpe
final, tremendo, no meu orgulho de português.

Talvez haja razões que justifiquem que o Governo diga que a venda da TAP é
"prioritária".

Mas, por uma questão de respeito pelos que a fizeram e mantiveram a voar,
por todos nós, que tantos impostos pagámos para a viabilizar, e por uma
questão de amor-próprio -- que é quase só o que nos resta -- convinha que o
Governo explicasse essa 'prioridade' e que alguém mais se preocupasse com o
assunto.


 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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